Execução de valor irrisório, que soma à alta demanda processual, gera preocupação de juiz em Campo Mourão
Rômulo Cardoso Terça, 21 Junho 2016
“Será que o valor perseguido é tão relevante ao patrimônio material do exequente?”
Antes de decidir sobre uma execução de título judicial no valor de R$ 1,89, o juiz Rui Cruz, de Campo Mourão, externou preocupação sobre o real motivo que levou uma pessoa ajuizar demanda tão irrisória e que soma à montanha de processos no Poder Judiciário.
Cruz é o magistrado mais antigo em atividade no Paraná e fez um desabafo, como introdução da própria decisão. Sim, a execução no valor de R$ 1,89 despertou a preocupação do magistrado sobre o verdadeiro interesse da parte, que contratou advogado renomado na comarca e enfrentou todas as questões afetas ao processo judicial, como as custas judiciais e demais trâmites que dispendem tempo das partes e da Justiça.
“Ainda que não fosse esse o mote da execução em exame, vem a terceira e que (quero crer) seja a mais consentânea, será que o exequente busca, na verdade, a reparação do ataque que sofreu sua bolsa, ainda que seu valor seja insignificante, irrisório, desprezível, vil (menos que um sorvete)?”, desabafou o juiz.
A crítica do magistrado também encontra razão na montanha de processos que assola o Poder Judiciário em todo o país. Segundo dados do CNJ, são ajuizados, ano a ano, mais de 100 milhões de novos casos, com base no relatório “Justiça em Números”.
Rui Cruz também relata que o proponente da execução teve como patrocínio escritório de advogados respeitados na comunidade mourãoense. “Graças ao mais alto conceito que os patrocinadores da questão conseguiram granjear junto à comunidade jurídica mourãoense – já citados – sou levado a interpretar como sendo a reparação total da violação de um direito”, lamentou.
Na decisão – e desabafo – o magistrado deixa claro que sabe dar o devido valor ao dinheiro, mas também ao Judiciário. “Fomos orientados pela nossa matriarca, com a sua imorredoura sabedoria, de que devemos dar ao dinheiro o valor que o dinheiro tem! Um real (em padrões monetários atuais) vale um real! Se lhe atribuirmos a ele o valor de noventa centavos estaremos sendo perdulários. Se lhe atribuirmos o valor de um real e dez centavos, estaremos sendo sovinas. E esses dois extremos aviltam o homem”, comentou.
Confira abaixo o desabafo, ou melhor, a decisão do magistrado Rui Cruz.
“Ao analisar o pedido formulado no evento 79 e meditar, com profundidade, a respeito das razões que levaram cidadão mourãoense a ajuizar execução de título judicial com tão ínfimo valor (R$ 1,89), mormente diante da generalizada reclamação da tão falada morosidade da Justiça (que se defende desses ataques apresentando, dentre outros fundamentos, o excesso de demandas postas à mesa), meu espírito foi assolado de dúvidas e angústias.
A que primeiro me assolou foi seria uma forma do exequente manifestar o seu desprezo à Justiça?
Não creio e não posso crer. Afinal, o exequente, é representado em Juízo por advogado regularmente inscrito na OAB, e segundo princípio constitucional, insculpido no artigo 133 da Carta Magna (O advogado é indispensável à administração da justiça) imprescindível a sua (do advogado) presença na distribuição da Justiça, ou seja, sem a sua efetiva participação, Themis seria expulsa do Olimpo. E mais.
Os procuradores do exequente compõem Banca de advocacia renomada, do mais grosso calibre, com alto grau de respeitabilidade por todos que militam no Judiciário Mourãoense, mercê do elevado cabedal de conhecimento jurídico que amealharam. Por tudo isso não é provável que descessem a tão baixo nível, isto é, agredir a Justiça naquilo que ela deve ter de mais sagrado, que é a reverência que todos devemos a ela.
Mas, ainda que não fosse nada disso, a segunda, e não menos importante, foi de que será que o valor perseguido é tão relevante ao patrimônio material do exequente?
Não tenho como avaliar, mas não acredito. Um real e oitenta e nove centavos, sim R$ 1,89 é menos que insignificante. Contudo, como tirar uma conclusão a respeito, se inexiste nos autos qualquer elemento que se possa mensurar o estado de miserabilidade do exequente, apesar do seu pedido de assistência judiciária formulado por ocasião da interposição de inconformismo à D. Turma Recursal.
Todavia, na vida os fatos se repetem, ainda que de formas diferentes e é por isso que os ensinamentos que recebemos, ainda na infância permanecem latentes em nosso consciente e subconsciente e são aplicados inúmeras vezes no decorrer da vida.
Faço essa divagação para relembrar que nós (da família Cruz Delcorço) fomos orientados pela nossa matriarca, com a sua imorredoura sabedoria, de que devemos dar ao dinheiro o valor que o dinheiro tem! Um real (em padrões monetários atuais) vale um real! Se lhe atribuirmos a ele o valor de noventa centavos estaremos sendo perdulários. Se lhe atribuirmos o valor de um real e dez centavos, estaremos sendo sovinas. E esses dois extremos aviltam o homem.
A fim de marcar ainda mais as suas lições, costumava a minha venerada mãe citar exemplos e no caso afirmava, do alto da sua sabedoria, quanto custa um sorvete? Um real? Peça um sorvete de graça para o sorveteiro, veja se ele lhe dá!
Ainda que não fosse esse o mote da execução em exame, vem a terceira e que (quero crer) seja a mais consentânea, será que o exequente busca, na verdade, a reparação do ataque que sofreu sua bolsa, ainda que seu valor seja insignificante, irrisório, desprezível, vil (menos que um sorvete)?
Graças ao mais alto conceito que os patrocinadores da questão conseguiram granjear junto à comunidade jurídica mourãoense – já citados – sou levado a interpretar como sendo a reparação total da violação de um direito.
Aliás a Justiça não dá mais valor à causa que envolve quantia monetária maior, ou por outra, a importância da causa está ligada ao direito violado e não ao quantum pecuniário que representa.
A propósito Rudolf Von Ihering na sua memorável obra A luta pelo direito, com magnanimidade pontua:
" [...] Diariamente, a experiência nos apresenta demandas nas quais o valor do objeto do litígio não tem relação alguma com o sacrifício provável, os esforços e os gastos pecuniários que será mister despender. Aquele que tiver perdido um cruzado não gastará certamente dois para tornar a encontrá-lo, e a questão de saber quanto dará não será em realidade mais que uma operação de cálculo. E por que não sucede assim numa demanda? (...) não se litiga pelo valor insignificante talvez do objeto, mas sim por um motivo ideal, a defesa da pessoa e do seu sentimento pelo direito. Quando o que litiga se propõe semelhante fim e vai guiado por tais sentimentos, não há sacrifício nem esforço que tenha para si peso algum, porquanto vê no fim que quer atingir a recompensa de todos os meios que emprega. (...) A grande questão para ele não é a restituição do objeto que muitas vezes é doado a uma instituição de beneficência, a que pode impelir a litigar; o que mais deseja é que se lhe reconheça o seu direito.
Feitas estas considerações que entendo imprescindíveis, para registro da história:
I. Tratando-se de Cumprimento da Sentença (“execução de título judicial”), determino o processamento nestes autos, consoante art. 52, IV, parte final, da Lei nº 9.099/95. Retifique-se o registro para constar a classe processual como “Cumprimento de Sentença”, anotando-se perante o Distribuidor Público.
II – Intime-se o(a) executado(a), através de seus procuradores, para pagamento do débito, com seus acréscimos legais, no prazo de 15 (quinze) dias, sob pena de aplicação da multa no percentual de 10% (dez por cento) prevista no art. 523, do novo Código de Processo Civil, ciente, ainda de que não havendo pagamento terá início do prazo de 15 (quinze) dias para apresentar impugnação, independentemente de penhora (artigo 524, NCPC).
III – Havendo pagamento, intime-se o(a) exequente para manifestar-se no prazo de 05 (cinco) dias.
IV – Não ocorrendo o pagamento, proceda-se de imediato a penhora on line, com as cautelas de estilo. Infrutífera, expeça-se mandado de penhora e avaliação, por Oficial de Justiça.
Campo Mourão, 12 de maio de 2.016
RUI A CRUZ
JUIZ SUPERVISOR