Desembargador Edgard Barbosa encerra a carreira e concede entrevista à AMAPAR

Rômulo Cardoso Sexta, 10 Outubro 2014

Desembargador Edgard Barbosa encerra a carreira e concede entrevista à AMAPAR

“Não quero ser um homem mais rico, só tenho que ser um homem diferente, mas eu não posso enganar o tempo”. Essas mensagens reflexivas foram cunhadas, em canção, pelo atemporal camaleão da música pop, o inglês David Bowie, na música changes, lançada no começo da década de 1970. Talvez reflitam, ou ajudem a decifrar o dilema travado na carreira da magistratura, que recai para uma mudança forçada, aos 70 anos de idade, com a aposentadoria compulsória.

Para o desembargador Edgard Barbosa, que está com 60 anos, a despedida, oficializada no início do mês de outubro, não significa antecipação ou obrigação externa, mas a oportunidade de novamente decidir, como sempre fez ao expressar o sentimento de julgador. “O desejo e a possibilidade de dispor do meu próprio tempo”, afirma Edgard, que pretende dedicar o tempo para novos estudos do Direito, além de intensificar a prática de outras atividades, não menos interessantes, como a música, cultivo de amizades, viagens, prática esportiva e motocicletas - uma das paixões do magistrado.

Confira a seguir a entrevista com o desembargador, direcionada aos associados da AMAPAR.

Caro desembargador Edgard, o senhor pegou de surpresa os colegas de toga ao antecipar a aposentadoria. Quais foram os motivos que levaram o senhor a decidir pela despedida antecipada?

Em verdade, não antecipei a aposentadoria. Apenas decidi requerê-la tão logo completei, no início deste semestre, os requisitos legais para tanto. São 42 anos ininterruptos de trabalho, na atividade bancária, na advocacia e na magistratura.

Com efeito, poderia permanecer por mais tempo, quiçá até os meus setenta anos, como me facultava a legislação de regência. Mas optei por fechar tão logo pude este ciclo de atividades no âmbito da magistratura para, então, iniciar uma outra atividade que há muito cogito: o estudo de algumas questões jurídicas que, ouso dizer, comportam outras alternativas de enfrentamento além das já postas em nossa legislação. Ou seja, tenho a pretensão de continuar ativo como um profissional do Direito - agora autônomo e independente.

O fato é que nestes últimos anos venho fazendo diversas anotações e colecionando farto material para uma oportuna pesquisa sobre determinados temas de Direito que muito me instigam. Ocorre que, por força da intensidade de nossas atividades no Judiciário, eu raramente encontrei tempo para organizar esse material e para investir numa adequada pesquisa. Por conta disso, as ideias estão se acumulando, assim como o material de pesquisa. E o tempo, implacável, vai passando, não é? No entanto, o sonho de me aventurar nessas pesquisas nunca se esmoreceu, muito pelo contrário. Cada vez mais sinto vontade e mesmo a necessidade desse empreendimento. Por esse motivo não quis deixar para mais tarde o início dessa nova empreitada, pois ela demandará muita dedicação e o dispêndio de muito do meu precioso tempo. E tempo, assim como a saúde, são valores muito caros para a gente nesta altura da vida, não é mesmo?

Mas há outro componente fundamental visado nessa minha decisão: mais qualidade de vida. O desejo e a possibilidade de dispor do meu próprio tempo, seja para cuidar dos assuntos da vida privada, para praticar mais esportes, para cultivar mais as amizades, para viajar e conhecer outros lugares e culturas, para ler livros por inteiro, para curtir mais música e conferir as belas atrações culturais que estão se nos oferecendo abundantemente por ai, bem como dedicar-me um pouco mais ao aprendizado e à divulgação do Budismo, filosofia de vida pacifista que tive a sorte de abraçar há 37 anos. E porque não trabalhar? Sim trabalhar, mas no tempo e no ritmo que desejamos e estamos habilitados a cumprir sem comprometer muito a saúde e a qualidade de vida.

O filósofo contemporâneo japonês Daisaku Ikeda, certa vez assim anotou: "Quando perguntado sobre qual era a sua maior peça, a resposta de Charles Chaplin era sempre a mesma: 'A próxima!' Não há impasse quando se está imbuído de um desafio. Não se anda porque existe um caminho; por andar é que se abre o caminho".

Quais os grandes legados e lições o senhor deixa e adquire após a brilhante passagem pelo Judiciário?

Não sei se deixo algum legado. Mas tenho muito orgulho do trabalho que desenvolvi nestes 25 anos e meio de magistratura. No primeiro grau atuei como Juiz Substituto na Seção Judiciária de Toledo, que então abarcava as Comarcas de Marechal Cândido Rondon, Santa Helena e Corbélia. Em seguida respondi como Juiz titular de entrância inicial em Cerro Azul, no Vale do Ribeira; após, como Juiz titular de entrância intermediária em Guaíra, na região da tríplice fronteira; em Ibaití, no Norte Pioneiro, até que fui promovido para Juiz de Direito Substituto de entrância final, inicialmente em Cascavel, e depois Curitiba, onde posteriormente judiquei prazerosamente como titular da 10a. Vara Criminal.

No Tribunal tive a honra de atuar como Juiz Auxiliar da Presidência na gestão do inesquecível Desembargador Henrique Chesneau Lens Cesar e, já como Juiz de Direito Substituto em Segundo Grau, funcionar junto às Câmaras Cíveis do Tribunal de Alçada e do Tribunal de Justiça, além de compor a Turma Recursal Única dos Juizados Especiais, instalada na operosa gestão do então Vice-Presidente, o saudoso Desembargador José Antônio Vidal Coelho.

Por fim, a partir de 2008 até minha aposentadoria, formalizada neste primeiro de outubro, atuei, com desmedida honra e altivamente, como Desembargador da colenda 14a. Câmara Cível de nossa Corte.

Mas lições, colho muitas. Na verdade, incontáveis lições, embora certamente não as tenha aprendido todas. Talvez a mais singela maneira de resumir esses incontáveis aprendizados que acumulei na carreira seja a percepção que tenho do que a sociedade espera de nós, magistrados. Para mim, o que ela quer é que sejamos merecedores do tratamento honorífico a nós reservado: "excelência".

Ser um profissional excelente e de reconhecido merecimento ("meritíssimo"), eis aí o nosso real desafio, em meio a esse turbilhão de problemas que se agigantam diuturnamente à nossa frente, na forma dos multiplicados processos que nos são incontinenti apresentados para decisão, no enfrentamento das mais diversas questões extraprocessuais como diretores do fórum, como juízes eleitorais, como corregedores dos foros judicial e extrajudicial, como líderes natos da sociedade que somos, enfim, como a personificação do próprio Judiciário e com o peso da respectiva e sempre substancial parcela de poder com que somos ungidos uma vez na função jurisdicional. Definitivamente, a magistratura é para os fortes.

O senhor possui hobbies? Além dos próximos projetos, pretende intensificar alguma atividade de lazer que ainda não tinha planejado?

Tenho sim muitos hobbies. Gosto muito de esporte, em especial de caminhada, de futebol, de natação, de ciclismo e da corrida. A junção destas três últimas modalidades formam o triatlhon, que é um esporte olímpico fantástico e muito desafiador, o qual gosto de acompanhar e, de vez em quando, até mesmo de arriscar uma participação em provas curtas e mais leves.

Na medida do possível, procuro encaixar a prática desses esportes no meu cotidiano, mas obviamente que só consigo praticar um pouco de cada um, e sempre de forma despretensiosa, sem visar alta performance, mas pelo puro prazer do esporte e mirando uma boa saúde. O futebol, por exemplo, está há tempos fora do meu cotidiano (exceto o meu Furacão, claro), embora as demais modalidades eu as pratique regularmente.

Nos últimos anos também venho praticando yoga. Uma experiência maravilhosa, onde se trabalha a respiração, o relaxamento, a meditação, o fortalecimento e o alongamento dos músculos, com amplos benefícios para o físico e, em especial, para a mente.

Outro hobby que me entretém muito é o motociclismo. Motocicletas sempre me fascinaram, desde a adolescência. Gosto muito de acompanhar o lançamento de novos modelos e o aprimoramento dos modelos que já estão no mercado. Mas o especial mesmo é pilotar uma motocicleta, principalmente quando se está com os amigos e pegando uma estrada.

Há ainda um outro hobby que eu sempre apreciei muito e que pretendo curtir ainda mais agora: a música. Desejo aprender mais sobre ela, da música popular à erudita, seus instrumentos, suas histórias e seus personagens. E dentre os meus projetos mais acalentados (e ousados), pretendo aprimorar minhas precárias habilidade com o violão.

Está lendo algum livro? Se sim, qual?

Iniciei a leitura de vários livros não técnicos ultimamente, a maior parte deles tendo por tema central a música e alguns de seus personagens. O que está na minha cabeceira atualmente é a biografia do genial David Bowie, de autoria de Marc Spitz. Como se sabe, Bowie é reconhecidamente um artista midiático e sempre esteve um passo à frente no movimento musical e na moda contemporâneos. Uma personalidade controvertida, claro, mas fascinante. Ao lado deste livro, está o consagrado "O Ócio Criativo", de autoria de Domenico de Masi, que selecionei porque me interessa entender o ponto de vista do autor, para quem mesmo o ócio contém essa propalada virtude: a de estimular a criatividade, a inovação. E uma pontinha dele - do ócio - eu vou com certeza experimentar nestes próximos tempos. Também vou até o fim deste livro.

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