Os juízes de Direito e o combate à corrupção eleitoral
Rômulo Cardoso Terça, 05 Fevereiro 2019
Holídice Cantanhede Barros
Juiz Auxiliar de Entrância Final - São Luís/MA
2º Vice-Presidente da Associação dos Magistrados do Maranhão (AMMA)
Com estupefação li, na folha de São Paulo do dia 31.01.2019, um artigo intitulado “A Justiça Eleitoral e o combate à corrupção”, de Daniel Rocha Sobral e Marina Rocha Cavalcanti Mendes, que sustenta que esta justiça especializada deveria ser composta preferencialmente por juízes federais em detrimento dos juízes de direito (estaduais), como forma de dar maior efetividade no combate à corrupção.
Pela lógica dos autores, que são juízes federais, “magistrados estaduais são mais próximos dos conflitos políticos locais e sujeitos ao exercício de influência das lideranças sobre as quais frequentemente se deve julgar”.
Além de o artigo estar desprovido de qualquer dado empírico que comprove a mirabolante afirmação, os articulistas tentam atribuir à Justiça Estadual um complexo de vira-latas para o qual ela não tem a menor vocação.
A Justiça Estadual é a mãe de todas as justiças, porque é a mais antiga – tem-se notícia de sua existência desde 1530, na época do Brasil Colônia - e porque é a que detém o espectro mais amplo de competências em suas mãos. Segundo dados do CNJ, estima-se que em torno de 78% das ações que tramitam no Brasil esteja sendo conduzida por algum juiz de direito ou desembargador de Tribunal de Justiça. Por aqui passam as ações penais, as relacionadas a contratos, as de responsabilidade civil, de propriedade, direito de família, entre tantas outras atribuições.
Além da sua história e tradição, possuindo a maior associação de juízes do Brasil, quiçá do mundo, a AMB, a magistratura estadual está totalmente habituada ao enfrentamento de autoridades locais no combate à corrupção em suas diversas formas, como nos casos de improbidade administrativa, crimes contra a administração e ordem tributária, ilícitos eleitorais e ações civis de ressarcimento. Esse é o cotidiano de um juiz estadual, que desde a sua primeira comarca aprende a lidar com esses enormes desafios.
A “pressão” aludida pelos ilustres autores é parte do trabalho de qualquer magistrado e não apenas no âmbito eleitoral. Não é à toa que a Constituição prevê autonomia financeira e administrativa aos Tribunais Estaduais e dota os juízes de uma série de prerrogativas, que funcionam como verdadeiros escudos contra o poder local, entre as quais a inamovibilidade do local de trabalho, a irredutibilidade de vencimentos e vitaliciedade, de modo que dispõem de toda a musculatura estatal para bem desempenhar o seu papel. Além do mais, o ingresso por concurso público e a rotatividade dos magistrados na justiça estadual contribuem para a sua maior independência.
De forma exemplificativa, basta dizer que nas três edições do projeto “Maranhão contra a corrupção”, entre 2016 e 2018, foram proferidas 700 sentenças em casos de improbidade de gestores municipais, resultando em condenações de detenção e reclusão, além de outras sanções inerentes a estes casos. Os números demonstram independência e destemor da justiça estadual do Maranhão, muito distante da suposta “pressão” afirmada pelos autores.
A proximidade do juiz do local do conflito em vez de ser uma desvantagem, constitui na verdade a maior legitimidade do seu trabalho, porque é ele que conhece a sua dinâmica, a sua gênese, a cidade em que as repercussões são sentidas e vive na pele o que o homem comum vive. Assim, nada mais natural que o alistamento eleitoral, a votação, a apuração dos votos, a diplomação dos eleitos e o julgamento de ilícitos eleitoral fiquem a cargo dos juízes de direito que possuem jurisdição plena nas comarcas em que atuam.
Foi exatamente esta lógica que fez com que, historicamente, a Constituição Federal e o Código Eleitoral atribuíssem a titularidade das zonas eleitoral aos juízes de direito que atuam nas respectivas comarcas. Por essa mesma lógica, a da proximidade do local do conflito e do acesso da justiça ao homem comum, foi que a Carta Magna previu a competência delegada da Justiça Federal aos juízes de direito. Isto é, diante da dificuldade de deslocamento, são os juízes estaduais que julgam causas previdenciárias nas comarcas menores, em que não há a presença de varas federais e fazem isso sem qualquer compensação financeira, vale dizer.
A Justiça Eleitoral é “federal especializada”, como dizem os autores, apenas no sentido de que ela é uma justiça custeada pela União. Mas não é isto que define a sua composição e sua competência. A justiça militar e trabalhista também o são. A Justiça Federal é assim denominada porque basicamente julga causas em que a União está envolvida ou tem interesse. A Justiça Eleitoral é, na verdade, uma justiça especializada, tanto em relação à Federal quanto à Estadual, porque se ocupa do processo eleitoral não tendo nenhuma vinculação material direta com qualquer uma delas, sendo sua composição e competência definidas por outros critérios.
Cumpre lembrar ainda, que a Justiça Eleitoral, cuja composição é criticada pelos autores, possui um dos mais altos índices de satisfação da justiça brasileira – conforme dados do CNJ - em razão da sua credibilidade e celeridade dos seus julgamentos, cujo status nem a Justiça Estadual e nem a Federal foram capazes de alcançar. Certamente, a Justiça Eleitoral deve continuar sendo fortalecida, mas não é com a mudança de sua composição que isto irá ocorrer.